Brincar

"O mundo parou" disse a garotinha caída de bruços na terra molhada do jardim, enquanto o beija-flor ajeitava-se numa roseira para iniciar a prosa.

"E por que é que afirmas isto? Vejo ainda o mundo muito vivo e atarefado." Disse ele olhando para a menina.

"O mundo parou. Parou tudo. Aqui... Bem aqui.
Daí eu caí. Aquelas que um dia foram minhas pernas -disse ela- os frangalhos do meu eu já não mais conseguem comandar."

A avezinha chocada continuou a conversa doce e compadecidamente:

"O que fez teu mundo parar, pequenina? Foram as flores que não perfumaram? Ou foram os contos de fadas incompletos da vida?"

E a menina respondeu:

"Foi tudo. Foi nada. Fui eu.
Minhas feridas estavam abertas, mas eu queria ir logo brincar de amar. Elas me cobriram o corpo enquanto distraía-me com a brincadeira. Quando notei tudo o que restava de mim era  dum vermelho escuro e profundo... Que não parava de pingar mágoas e lamentos. Pedacinhos de mim."

Depois dessa resposta, o beija-flor já desconsertado levantou e foi em direção a menina e, chegando na altura de seus ouvidos, sussurrou:

"Não temeis, minha criança, pois o tempo há de curar todos os teus pedaços e recolocá-los um a um em teu debilitado corpinho. E eu estarei aqui para tratar de tuas feridas, colocando curativos de alegria e banhando-te em esperança. Então, não temeis, que estou aqui. Aqui... "

Ouvindo isso a menina adormeceu. Ela não mais precisava temer o mundo que havia parado dentro de si. Pois agora havia alguém a olhar por ela... Não mais estava só.